quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

UMA PROFUNDA TROCA DE CASAIS CAP. 11


Quando acordei eu me sentia um perfeito paradoxo. Minha cabeça doía muito, meu corpo também doía, mas ao mesmo tempo eu me sentia leve, satisfeito. Percebi que Marília já tinha levantado da cama, abri os olhos com dificuldade e me senti confuso, aquele quarto... Então coloquei as mãos no meu tórax para confirmar o que eu já estava desconfiando. Seios. Eu era Silvia, claro. Minha memória foi então voltando aos poucos. A troca, o fim das férias, os dias na casa de Marcos, as aventuras com as meninas, o escândalo com a empregada, isso me fez até rir.

Me sentei devagar na cama, o quarto girava. Era ressaca, eu tinha enchido a cara na noite anterior? Sim, me lembrei, enchei a cara com Marcos como dois caras, falamos de futebol, de carros... espera. Depois as coisas mudaram... Ah meu deus! O beijo... os beijos, a pista de dança... Puta que o pariu! Eu estava nu. Eu estava completamente pelado na cama. Abri um pouco as pernas e senti algo ali, meio grudando, coloquei a mão ali... minha espinha gelou. Eu sabia bem o que era aquilo: sêmen, esperma... Porra! Eu tinha porra de outro cara entre as minhas pernas. Aí os flashes de memória vieram com força. Marcos me agarrando, Marcos chupando meus seios, Marcos lambendo minha vagina, Marcos me comendo, Marcos me fodendo, Marcos enfiando seu pinto em mim e eu, eu abrindo minhas pernas... gemendo... gostando.

Saltei da cama e quase caí, corri para o banheiro e olhei para a vadia no espelho. “Sua puta!” Eu disse e entrei no chuveiro. Abri minhas pernas e deixei a água cair ali, foi o banho menos erótico que tive desde que havia trocado de corpo. Eu só queria tirar aquilo de mim, esfreguei sabonete, esfreguei minha mão de unhas vermelhas. Fiquei um bom tempo ali garantindo que aquela meleca toda saísse de mim.

Voltei para o quarto e encontrei um bilhete no criado mudo.

Bom dia,

Tive que ir trabalhar, não quis te acordar. Pedi para Maria preparar um café reforçado pra você. Passo em casa para te pegar e irmos ao aeroporto. Não sei bem o que dizer dessa situação estranha. Primeiro desculpe, estava muito bêbado, estávamos muito bêbado. Minha intenção nunca foi desrespeitar você de nenhuma maneira, mas a verdade é que (sei que você vai me odiar por isso) eu tive uma excelente noite, valeu toda dor de cabeça que estou sentindo agora.

Tenho só uma coisa chata para te pedir. Como falei, estávamos bêbados e, você sabe, não usamos proteção. Silvia toma pílulas, não sei se você manteve o hábito. Se não manteve, eu deixei uma receita dentro da gaveta para pílula do dia seguinte. Desculpe estar falando disso, mas acho que é importante. Ela deve ser tomada em até 72 horas, temos tempo.

Um Beijo,

Marcos

PS: Não fique bravo ou estranho comigo, se você quiser a gente finge que nada aconteceu.

Eu não sei como não desmaiei ali mesmo. Eu suava frio, eu fiquei uns dez minutos no mínimo com aquele papel na mão. Pílula do dia seguinte? Eu era um homem, um macho, um cara! E não devia ter que me preocupar com pílula anticoncepcional. Por que o desgraçado não usou camisinha? Droga! Por que eu não pedi pela camisinha? Porra! Por que eu fui dar pra ele?

Excelente noite? Um beijo? Ele acha que eu sou a mulherzinha dele agora? Não fique estranho comigo? Que filho da puta, ele me comeu... Ele gozou dentro de mim, me deixou todo melado... e também me fez gozar, um orgasmo enorme... e o jeito que ele me pegava... Eu balancei a cabeça afastando os pensamentos estranhos. Só tinha uma palavra boa naquele bilhete. Aeroporto. Tudo ia acabar, eu ia voltar a ser homem e tentar esquecer tudo isso. Ah como eu iria transar com Ana, com o meu pinto! Com o meu pinto entrando e saindo de alguém!

Vesti a droga de uma calcinha, um sutiã, o jeans justo, uma camiseta roxa e as sapatilhas que eram confortáveis. Encontrei Maria na cozinha com o meu café pronto. Comi pouco, mesmo após o banho, a ressaca ainda tomava conta de mim. Ela me tratou friamente, o que não me incomodou nenhum pouco, já que eu estava de ressaca e extremamente mau humorado.

Peguei minha bolsa, as chaves do carro, a receita médica e saí para procurar uma farmácia ainda não acreditando que eu estava em busca de uma pílula do dia seguinte para não engravidar. Porque, afinal de contas, na noite anterior, eu estava bêbado, dei para um cara e como fomos levados pela paixão do momento, não usamos camisinha e ele despejou a sementinha dele dentro de mim. Que lindo!

Parei na primeira farmácia que vi, desci do carro já envergonhado. Parei no balcão e dei a receita para a atendente, tenho certeza que ela abriu um sorrizinho sacana. Pensando: “Essa aí é uma vadia...”

Paguei pela maldita pílula e voltei pra casa desconsolado. Tomei o humilhante remédio e me tranquei no quarto.

Acordei com batidas na porta e um chamado para o almoço. Era Maria e sim, eu ainda era Silvia e ainda podia estar grávida. Pelo menos a ressaca havia dado uma trégua. Comi em silêncio e tomei litros de suco de laranja.

Passei o resto do dia zapeando a TV, sem prestar atenção direito em nada, eu não conseguia me distrair. Tudo bem, eu estava no corpo de uma mulher, eu tinha desejos heterossexuais de uma mulher, mas até aí pra descambar numa transa com outro cara, é demais. Pior que isso, tinha sido bom, tinha sido melhor que quando fiz sexo lésbico com a minha esposa. Meu deus, o que eu vou dizer pra Marília: “Oi amor, lembra que você deu pro meu corpo com uma mulher dentro, então, eu me vinguei, eu dei dentro do corpo dela também e foi uma delícia. Você me perdoa né?”

Nada, eu não poderia dizer nada e tinha que fazer Marcos prometer o mesmo. Por falar nele, ele chegou perto das sete da noite. Entrou no quarto de mansinho, a porcaria do frio no estomago voltou como um coice de cavalo.

“Oi...” Ele disse meio sorrindo.

“Oi...” Eu disse sem coragem de olhar pra ele.

“Você... você leu o bilhete... você...”

“Sim, tomei aquela porcaria... e sim eu quero que a gente finja que nada aconteceu. Isso tem que ficar apenas entre nós... por favor...”

“Tudo bem.” Ele disse seguro. “Sem problemas, não falarei mais sobre o assunto. Aliás, você ta pronta? Temos que ir logo pro aeroporto resolver tudo isso.”

Me levantei, eu não tinha tirado a roupa que fui para a farmácia ainda. A camiseta estava meio amarrotada, troquei por outra e coloquei um cardigan amarelo claro por cima.

O caminho até o aeroporto foi constrangedoramente silencioso. Ele estava relativamente vazio e o vôo delas tinha acabado de pousar. Esperamos por muito tempo e nada delas saírem, meu estômago se embrulhava mais a cada minuto que passava.

De repente, Marília aparece andando lentamente. O rosto dela estava cheio de lágrimas, vermelho e ela mal conseguia tirar o olhar do chão. Corri até ela.

“O que aconteceu? O que foi? Você ta bem?” Perguntei segurando em seus braços com delicadeza. Ela se jogou em um abraço pra cima de mim, eu a abracei. Ela chorava e na minha cabeça eu só me perguntava. Cadê o meu corpo?

“Ele... ela... fugiu...” Ela disse entre soluços, bem perto do meu ouvido.

“Como assim fugiu?” Eu disse me afastando do abraço.

“Ela, sei lá, me drogou, eu só acordei aqui em São Paulo, mas ela não tava no avião,procurei, fiquei esperando todo mundo sair e fui pedir ajuda para a aeromoça, então ela me disse, que ela tinha descido na parada da escala.”

Eu fiquei em choque. “Não acredito!” Marcos disse nervoso, colocando as mãos na cabeça.

“A gente tem que ir atrás dela... Onde foi a escala?” Ele continuou meio desesperado.

“Foi em Salvador...” Marília disse e eu nem conseguia mais falar, então o celular de Marcos tocou, ele atendeu rapidamente.

Marília olhou indagando se era quem a gente queria que fosse, eu nem desviei o olhar. Ele confirmou com a cabeça, Marília se adiantou pra cima dele, ele fez um sinal com a mão para ela esperar.

Toda a cena passava como vultos nos cantos dos meus olhos, Marcos gesticulando e gritando no telefone e Marília apreensiva com as mãos unidas no peito se afastando e se aproximando de Marcos.

Quando tudo acabou eles vieram até mim, eles me chacoalhavam e falavam comigo. Tudo estava nublado e as vozes eram distantes e distorcidas, eles me arrastaram para um banco e me sentaram. Marília acariciava meus cabelos e segurava minhas mãos. Marcos correu atrás de um copo de água e Marília me fez beber.

“O que ela disse?” Eu perguntei depois de um gole. Eles me encararam com pena no olhar. Eu repeti a pergunta. “O que ela disse?”

“Ela disse que não vai voltar, disse que não quer voltar pra esse corpo. Ela realmente fugiu.” Marcos disse pesadamente.

“Mas a gente vai atrás dela, a gente tem que...” Marília disse tentando me animar.

“Sim, claro, agora mesmo e também vou atrás do tal do feiticeiro, quem sabe ele tem outra coisa... Vamos dar um jeito nisso...” Marcos disse seguramente.

Eu só concordei com a cabeça, mas o desânimo era soberano. Eu esperei tanto por aquilo, para voltar a ser eu mesmo e agora isso. Ela rouba o meu corpo. A desgraçada roubou meu corpo.

Marcos nos levou pra casa, não a casa do meu corpo, a minha casa mesmo. Ele queria parar na casa dele para pegarmos roupas, eu neguei. Não queria mais ficar brincando de ser mulher.

Cheguei em casa e fui direto pro quarto. Marcos e Marília ficaram ainda na sala, planejando. Ele foi embora coma promessa de achá-la e de ir atrás do tal Zé Miranda.

Eu tirei toda aquela roupa feminina e coloquei uma cueca boxer que ficou enorme, mas eu nem liguei e uma camiseta cujo comprimento das mangas chegavam nos meus cotovelos e ela ainda cobria toda a cueca folgada. Deitei na cama odiando aquele maldito corpo, odiando tudo.

Fiquei na cama por três dias seguidos, apesar das tentativas de Marília de me animar, eu estava entregue. Mal comia e me levantava apenas para ir ao banheiro, sentado, sentido o liquido sair pela minha maldita vagina.

No quarto dia, Marcos ligou e pediu para nos visitar. Marília me obrigou a tomar banho e eu vesti uma de suas calças de moleton e uma enorme camiseta. Quando Marcos chegou eu quase voltei imediatamente para cama, pois a coisa no estômago ainda estava lá, o desgraçado ainda mexia comigo.

Ele contou que havia encontrado o Zé Miranda e ele realmente afirmou que a estatueta era mágica e que apenas ela desfaria a troca. Precisávamos achar Marília de qualquer jeito, ela tinha meu corpo e a estatueta. Marcos prometeu que estava cuidando disso e me desconcertou com um olhar carinhoso quando se despediu.

Eu me odiei ainda mais e voltei para o meu casulo de depressão. Marília insistia, tentava me tirar do meu estado, mas eu apenas a maltratava. Em um desses dias veio minha primeira menstruação. Acordei um dia com uma dor diferente no estômago, meus seios pareciam ainda maiores. Resmunguei para Marília e não foi difícil interpretar.

A primeira vez que fui no banheiro naquele dia, a prova apareceu. Lá estava eu... menstruando. Pelo menos, isso significava que eu não estava grávido. Mas esse foi o único lado positivo. Eu fiquei ainda mais mau humorado, tanto pelos hormônios, quando pela humilhação que eu sentia de ter que passar por algo tão feminino, usar absorvente higiênico foi a gota de água pra mim. Em um acesso de fúria, tirei pelo menos um pouco da minha feminilidade, destrocei meus longos cabelos com uma tesoura sem ponta.

Quando mais de uma semana se passou, eu estava com o cabelo bem curto, Marília havia ajeitado ele pra mim, e praticamente desnutrido. Em uma de minhas levantadas para ir ao banheiro, desmaiei. Marília me levou para o hospital, onde passei um bom tempo tomando soro. Os médicos me tratavam como se eu fosse uma anoréxica maluca e me recomendaram psiquiatras.

Quando voltamos do hospital, o mundo desmoronou de vez. Tinha uma entrega na portaria. Uma carta de Silvia, pedindo desculpas, mas dizendo pra gente não ir atrás dela. Junto com a carta, uma caixa com a estatueta em pedaços.

Eu seria mulher para o resto da vida, eu seria Silvia pelo resto da vida.

Marcos apareceu naquele dia, também havia recebido notícias de Silvia, eu não quis vê-lo. Mas ele havia trazido documentos e toda vida burocrática de Silvia. Minha vida burocrática, meus documentos.

 Daí pra frente, foi só descida. Pensei várias vezes em me suicidar, mas de alguma maneira, nunca cheguei nem a tentar o ato. Acho que não fazia parte da minha personalidade. Mas minha relação com Marília, essa sim eu estava conseguindo matar, eu a afastava a cada dia.

A verdade é que mesmo que eu não buscasse o ato em si, eu me matava lentamente. Não me alimentava e não vivia. Passava dias apenas deitado. Foi quando, um dia, Marília furiosa, me puxou da cama. Eu era menor que ela e sem comer então, foi fácil para ela me arrastar pro meu atelier. Ela me jogou lá dentro e me trancou.

Foi como ela salvou minha vida. Eu comecei a pintar como se estivesse em transe, eu chorava, eu gritava, eu quebrava coisas. Mas eu pintava, eu estava vivendo novamente.

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