Depois
de seis meses Marília começou a sair com outro cara. Ela foi honesta, me contou
antes mesmo de aceitar o primeiro encontro. Eu morri de ciúmes, mas não a
impedi, ela tinha todo direito. Só não agüentei ficar tão próximo, morando na
mesma casa. Os meus quadros vendiam como água e não foi difícil alugar meu
próprio apartamento três meses depois, quando Marília já começava a namorar
mais sério.
Mais
ou menos na época do aniversário de eu ter virado Silvia, eu já estava me acostumando bem a ser mulher. Mas estava ainda mais gordinha e mantinha o cabelo
curto e minha vida social era quase nula.
Eu tentava sair e tentei por umas vezes ir em bares exclusivos para lésbicas. Cheguei a ir pra cama com outras
garotas, mas definitivamente, por mais que aquilo machucasse minha masculinidade de outrora, eu não era homossexual. Sexo com as mulheres não
era ruim, mas eu sentia falta do que Marcos havia me proporcionado. Só que eu não
queria admitir aquilo de maneira nenhuma.
A
arte tinha virado minha vida outra vez, só que talvez por ela ter passado a receber foco
total ou talvez porque as agruras de um homem preso num corpo de mulher tenha sido um combustível e tanto, eu explodi. Passei a expor em outros países. Europa, EUA e até na Ásia. Eu passei a
viajar muito e fui acostumando com minha vida solitária.
Quando
fiz vinte e oito anos de novo, um pouco menos de dois anos depois da fatídica
viagem, a comemoração foi com Marília e seu noivo. Ela ainda era a única pessoa
com quem eu falava regularmente e eu já tinha me forçado a agüentar que ela
agora tinha outro homem. Thiago, um cara, que preciso admitir, gente fina e que
nitidamente gostava muito dela. Obviamente, pra ele eu era apenas a melhor amiga,
não um ex marido.
O
jantar tinha sido ótimo, e eu
fiquei genuinamente feliz, quando eles me surpreenderam me chamando para ser
madrinha do casamento deles. Eu seria madrinha do casamento da minha ex-mulher,
aquilo parecia absurdo, mas acho que eu realmente havia superado minha fase
depressiva, porque não perdi nenhuma noite de sono por causa daquilo. O que passou a me incomodar depois daquele dia, foi a chegada de um outro sentimento. Acho
que ao vê-los juntos, trocando caricias, fazendo planos, trouxe uma melancolia, uma certa tristeza pra minha vida de novo. Acho que eu estava enjoando de ser
sozinho.
Decidi então dar uma chance pra minha heterossexualidade feminina. Eu estava
bem gordinha naquela época, então me matriculei numa academia e comecei a comer
melhor.
O
primeiro convite para um encontro veio justamente da academia, um outro aluno
que também não era do clube dos sarados. Tudo começou com uma piada na esteira
sobre, exatamente, não sermos o estereótipo das pessoas do local. Depois disso
conversávamos diariamente. Ele trabalhava com tecnologia e malhava na hora do
almoço, a hora que eu acordava e começava o meu dia.
André
era bastante engraçado e me deixou a vontade o suficiente para um dia aceitar
jantar com ele. Lá estava eu, há mais de dois anos como mulher, tendo meu
primeiro encontro com um homem. Tive que ligar pra Marília um tanto
envergonhado pra pedir ajuda. Ela foi tão solícita que a estranheza da situação
não durou nada.
Escolhemos
minha roupa juntas e ela me maquiou, mas dessa vez me ensinando, para que eu
fizesse sozinho na próxima vez.
As
nove em ponto, o interfone tocou e eu desci, arrumado. De saia preta e blusa
folgada roxa. De meia calça e sapatos de salto médio. Com pulseiras, brincos e
até uma tiara no cabelo. De unhas pintadas de vermelho e maquiagem um pouco
mais saliente.
André
não parou de me elogiar e me levou num ótimo restaurante, depois fomos para um
barzinho, onde ele tentou me beijar e eu deixei. Foi quando algo se acendeu em
mim.
Eu estava me sentindo bem, eu estava feliz, eu era uma mulher feliz. Eu
tinha finalmente aceitado tudo aquilo. Mas aquele não era o beijo que eu
queria. Eu queria aquele beijo que colava em mim como um adesivo, eu queria
aquele frio no estômago.
Inventei
que tinha que viajar cedo no dia seguinte e André me deixou em casa pouco mais
de uma da manhã. Eu aproveitei meu ímpeto, chamei um taxi e fui pra lá. Sem telefonar, sem avisar. Apenas apareci. Eu tinha que fazer aquilo e toquei a campainha com o coração saindo pela boca.
Ele mesmo atendeu. De shorts
e camiseta. Meu estômago correspondeu e ficou gelado no mesmo instante. Ele fez
uma cara de surpreso e sorriu. Eu derreti, dessa vez, adorando ficar derretido.
Eu
avancei e enfiei um beijo na boca dele. O calor veio, o prazer veio, tudo veio.
Era exatamente aquele beijo que eu queria. Ele correspondeu, mas me afastou.
“Calma...
espera...” Ele disse e eu congelei. Milhões de coisas passaram em minha cabeça,
ele podia estar namorando, ele podia estar até mesmo casado de novo, ele podia
estar me achando gorda, feia... Claro que ele não ia me querer. Me arrependi de
tudo e disse.
“Marcos...
desculpa... eu... você deve ter uma nova namorada, eu to gorda... feia...
desculpa, eu vou embora...”
A
resposta dele foi me agarrar de novo e me dar o melhor beijo da minha vida, eu
fiquei completamente sem ar, mas eu não precisava mais dele, porque eu tinha
ido para outro plano astral.
Quando
acabamos ele disse. “Eu só preciso saber se você vai ficar...”
“Eu
vou...” Eu disse extremamente feliz.
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