quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

UMA PROFUNDA TROCA DE CASAIS CAP. 12



Dois meses depois, eu não havia colocado o rosto para fora de casa. Mas havia virado o rei do delivery, tinha conseguido engordar o corpo de Silvia e tinha quadros suficientes para encher uma galeria.

E foi o que aconteceu, devido aos contatos de Marília, a primeira galeria que viu as fotos se interessou e pela primeira vez em muito tempo eu senti algo que chegava perto da felicidade.

O novo sentimento foi tão inusitado que até topei participar do que ela chamou de ‘dia de princesa’ no dia da minha vernissage.

“Acorda, vamos, você prometeu que se você expusesse, você iria se arrumar para a vernissage...”

Abri os olhos e vi que ainda eram nove da manhã. “Marília, o evento começa só as sete da noite, me deixa dormir mais vai.”

“Não, não... a gente tem que comprar roupas, tem salão de beleza marcado, cabelereiro.”

Naquele momento eu quase me arrependi de toda a promessa, mas a verdade é que todo aquele tempo pintando havia me feito aceitar mais as coisas. Eu seria mulher para o resto da vida. Não é que eu iria voltar a usar as mini roupas de Silvia, mas eu teria que me acostumar a ser do sexo feminino. A exposição marcaria o nascimento de outra pessoa, eu não era mais a antiga Silvia e eu não era mais o Alan. Eu estava renascendo na pele de uma mulher baixinha começando a ficar meio gordinha.

Não é que eu estivesse com barriga, minha cintura estava sim definitivamente mais larga, com pneuzinhos começando a ficar salientes, minha circunferência tinha mesmo aumentado e meus peitos também pareciam maiores. Agora, minha bunda, essa sim me assustou quando prestei atenção nela de novo. Estava enorme, assim como minhas coxas. Realmente a gordura da mulher vai para lugares diferentes. Eu acho que eu parecia uma coxinha peituda, mas como eu não estava nenhum pouco interessado em ser a gostosa do pedaço, nem me incomodei.

Fazia muito tempo que eu não me vestia de mulher, então foi meio estranho voltar a colocar calcinha e sutiã.

Marilia tinha tirado minhas novas medidas durante a semana e acabou me comprando algumas roupas.

Acabei vestindo uma calça jeans maior do que as da verdadeira Silvia, já que agora eu tinha aquela enorme bunda pra lidar. Uma camiseta básica bem larga e um ténis preto completavam meu novo look. Eu não era mais a loira gostosona e sexy que Silvia era. Eu estava mais pra uma pequena e redonda sapatona bunduda. Não achei tão ruim, pelo menos tinha um pouco de masculinidade.

Eu não estava extremamente animado com o tal dia de princesa, mas eu havia prometido que não reclamaria de nada pra Marilia, e afinal de contas, ela teve que ser uma santa por todos esses meses. Eu devia isso a ela.

Começamos o dia no salão de beleza onde passei por alguns processos doloridos e um tanto humilhantes. Começaram arrancando pelos da minha sobrancelha, enquanto mexiam nos meus pés e mãos. Lixas, alicates e esmaltes eram as ferramentas. Também passaram uma série de coisas no meu rosto e me deixaram com uma máscara melequenta na cara por bons minutos.

Depois foi a vez do cabelo, aceitei ter um estilo mais feminino, mas sem abrir mão de ser curto. Quando já íamos começar o corte o afetado cabeleireiro perguntou se eu não desejaria pintar. Então tomei uma decisão ainda mais radical. Resolvi virar morena. Marília adorou a ideia e apesar do processo ter sido extremamente chato, quando me vi de novo, após a tintura, após o corte, após secadores, mousses e penteados. Eu adorei, e eu sabia bem o por quê, eu estava cada vez mais diferente da Silvia. Tudo bem, minhas unhas do pé e da mão estavam pintadas de um vermelho queimado bem escuro, eu estava usando calcinha e meus seios estavam presos dentro de um sutiã. Só que eu já estava mais gordinha, meu rosto estava mais cheinhinho, eu usava roupas bem mais conservadoras e básicas e tinha cabelos curtos morenos. Eu não era mais Silvia.

Quando acabaram comigo, já estava na hora do almoço. Nos sentamos para comer e eu pedi o maior hambúrguer da casa, apesar das tentativas de bronca de Marília. Eu não estava nem ligando, ser atraente para alguém, definitivamente, não estava nos meus planos.

Acho que quem nos via ali, devia achar que éramos um casal de lésbicas, porque após tanto tempo de frieza e agressividade, aquele dia eu estava mais aberto a receber e dar carinho e não é que nos beijávamos loucamente, mas nossas mãos estavam voltando a se tocar e nossos olhares ficavam mais ternos.

Foram muitas lojas e muitas discussões. Eu não queria abrir mão de usar calças e Marília queria me enfiar num vestido e saltos alto. Do vestido eu não escapei, acabamos concordando em um preto básico, de manga curta, sem decote, que chegava em meus joelhos e não era justo. Os sapatos foram de salto baixo e grosso, pretos. Para completar o look, ignorando minhas reclamações, meia calça preta, uma pulseira um pouco mais grossa do que eu gostaria, um colar fininho e pequenos brincos, tudo prata.

Fora isso acabamos comprando algumas roupas para compor meu guarda roupa que não fossem velhas calças de moleton e camisetas folgadas. Marília estava encarando aquilo como um vernissage não apenas da minha arte, mas da minha nova persona.

Chegamos em casa perto do fim da tarde, eu estava exausto, mas o dia mal havia começado pra mim. Tomei banho, já bem mais acostumado com o meu corpo feminino, dessa vez com extremo cuidado não molhar meu novo cabelo. Marília disse que seria difícil repetir o que o cabeleireiro havia feito.

Saí do banho e comemos alguma coisa leve para enganar o estômago, sabíamos que a janta mesmo só viria bem mais tarde.

Na hora de me vestir, Marília mais uma vez me ajudou, ela havia comprado um conjunto de lingerie preta que eu coloquei primeiro, depois ela me ajudou com a meia calça, algo que nem fingindo ser Silvia eu havia usado. Depois o vestido e as jóias. Quando eu achei que estava pronto, ela me mandou sentar na penteadeira dela, dei uma resmungada, mas ela prometeu não exagerar. Acabei com um pouco de sombra, rimel, lápis nos olhos, um pouco de blush e batom. Tudo em tons discretos. Preciso confessar que realmente havia ficado bom.

Quando me olhei pronto no espelho, eu fiquei satisfeito. Eu não era mais Alan, eu não era mais homem. Eu sabia. Eu era sim do sexo feminino, mas eu também não era mais Silvia, eu era uma mulher nova, uma mulher bonita, começando a passar do peso, mas definitivamente bonita e prestes a expor numa galeria de arte. Eu me sentia bem novamente, depois de tanto tempo.

Chegamos mais cedo e ficamos esperando um pouco os convidados chegarem, e conforme eles chegavam eu tinha que relembrar como ter tratos sociais depois de tanto tempo recluso. Pior que isso, eu tinha que me portar como uma mulher, dessa vez não como Silvia, mas como eu mesma. Uma nova mulher.

Eu acho que estava me saindo muito bem, recebendo muitos elogios pelo trabalho, o que fazia tudo ficar mais fácil, e até me divertia com as conversas. Até que eu vejo ele entrar, meu estômago acho que me avisou antes mesmo dos meus olhos captarem direito. A mesma maldita sensação, o friozinho, a apreensão. Era Marcos que entrava, sorrindo aquele maldito sorriso.

Subitamente, comecei a me sentir gordo, odiei o tamanho da minha bunda. Eu queria me esconder. Eu não queria vê-lo, eu queria ter comido melhor, eu não queria estar gordinha e bunduda. Eu me odiei por me sentir daquele jeito, mas eu me sentia. O que ele tinha que mexia tanto comigo? Por que ele me fazia me sentir uma garotinha de colegial apaixonadinha?

Vi ele parando para conversar com Marília. A conversa da qual eu estava participando havia virado murmúrios distantes. Vi minha esposa apontar em minha direção e ele veio se aproximando. Meu coração acelerava.

“Olá...” Ele disse com aquele olhar que pra não fugir do comum me derreteu.

“Oi...” Eu disse timidamente, mas tentando manter a compostura. Percebi até que institivamente eu dava uma encolhida na barriga.

Ele se inclinou para me cumprimentar com um beijo no rosto, eu estendi minha mão, depois voltei, ele também. Daí eu me inclinei para aceitar o beijo, ele já havia retornado e quando ele voltou eu havia baixado a cabeça constrangido e quando levante bati em seu queixo. Enfim, tivemos um daqueles horrorosos momentos extremamente constrangedores onde duas pessoas não sabem o que fazer.

Ele riu, me segurou pelos ombros e finalmente, nossos rostos se tocaram. Eu senti a mesma queimação de antes e meu coração quase pulou pela boca.

“Parabéns, ainda não vi com calma, mas seu trabalho parece incrível...” Ele disse.

“Obrigada.” Eu disse sorrindo bobamente, eu me envergonhava tanto de ficar tão feliz porque ele havia gostado dos meus quadros.

“Você ta diferente... o cabelo...”

E gorda e horrorosa e bunduda. Eram os pensamentos femininos que rodavam minha cabeça aquela hora. Eu queria chorar ou me esconder. Mas respirei fundo e disse: “Pois é... eu resolvi mudar um pouco. E bom, to virando uma bolinha...” Tentei fazer piada da situação.

“Pois pra mim você continua... ou melhor, está ainda mais linda...” Ele me cantou, o desgraçado estava me cantando de novo.

“Marcos...” Eu o adverti. “Eu gostei que você veio, de verdade... mas não. Isso não está certo.”

“Eu vim pra te ver, eu precisava falar com você.” O olhar dele me fuzilava e me enchia de arrepios.

“Pode falar...” Eu disse meio sem respiração.

“Aqui não...”

“Marcos, eu não posso sair daqui, é meu vernissage... e além do mais... eu não sou... você sabe, eu não sou ela.”

“Eu sei bem disso, vamos fazer assim, a gente vai até aquele último quadro ali e você finge que está me explicando e eu falo o que tenho que falar e vou embora, pode ser?”

“Marcos...”

“Cinco minutos e eu vou embora.”

Eu respirei fundo e soltei um suspiro de vencido. Andamos até a frente do quadro. Um que tinha um fundo rosa e um monte de respingos pretos que formavam grafismos interessantes.

Ele começou imediatamente. “Eu não consigo tirar você da cabeça, eu não parei de pensar em você um minuto durante todos esses meses... Eu... Eu to apaixonado por você... eu lutei contra, acredite... mas...”

Meu coração quase explodia, eu suava, mas falei o mais sobriamente que consegui. “Você ta enganado Marcos, você ama a Silvia, eu não sou ela, sei que deve ser difícil, eu sei mesmo... Mas eu não sou ela...”

“Eu disse que sei bem disso, eu não amo a Silvia, eu amo essa mulher nova que entrou na minha vida naquela semana...” Ele puxou meu ombros e me fez encará-lo, eu acho que quase desmaiei. “Eu amo você...” Ele disse e, infelizmente, eu juro que eu queria que ele tivesse me beijado ali mesmo, a força... mas o que eu fiz foi me desvencilhar dele e dizer. “Seus cinco minutos acabaram...”

Saí andando com minhas pernas completamente bambas, eu mal conseguia respirar e algumas lágrimas caíram dos meus olhos. Fui diretamente ao banheiro e tentei me recompor. Quando voltei ele não estava mais lá.

Passei o resto da vernissage me entupindo de pro-seco e quando fui jantar com Marília eu já estava bem bêbado. Ela achou que era euforia pelo sucesso, mas a verdade é que eu não conseguia parar de pensar no Marcos, o álcool parecia ser minha melhor saída.

Durante o jantar ela chegou a dizer que tinha achado legal ele ter ido, eu disfarcei, mas só a menção do nome dele me dava calafrios.

Marília também acabou me acompanhando nos drinks e chegamos em casa cambaleando. Ela me atacou como havia me atacado na viagem. Suas mãos suaves tocando minha pele, seus beijinhos sutis e leves. Ela me colocou na cama com delicadeza e delicadamente me acariciou. Eu tentei entrar no clima, mas mesmo bêbado, eu não conseguia. Tudo parecia xoxo e sem graça, eu sentia falta de mãos maiores de beijos mais seguros. Eu sentia falta de Marcos. O desgraçado havia me acostumado mal, eu queria mais que aquilo.

Marília se esforçava, tirou minha meia calça, minha calcinha. Ela me lambia, me apertava. Eu não sentia quase nada. Aquilo me deixava com raiva de mim mesmo, envergonhado. Ela percebeu.

“Você... você não ta no clima?” Ela perguntou meio aflita.

Eu balancei a cabeça positivamente e não agüentei, comecei a chorar. Ela me abraçou.

“Não tem problema...” Ela me acariciava e eu não sentia nada perto de tesão e chorava mais.

“Shhhh...” Ela tentava me acalmar. “Calma, não tem problema...”

Dormimos naquela dinâmica, dela me acariciando e eu chorando. Ambos sabendo que tinha problema sim, que nosso casamento tinha acabado, que tínhamos virado... amigas.

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